“Departamento jurídico é fonte de recursos para empresas”
Por Gabriel Mandel

http://s.conjur.com.br/img/b/luiz-fernando-ract-camps.pngFonte de receitas, e não de despesas. É assim que o departamento jurídico de uma empresa prestadora de serviços deve ser visto, de acordo com Luiz Fernando Ract Camps, diretor de compliance da Amil/United Health Group. Ao defender essa posição durante palestra na edição de 2013 da Fenalaw, Camps chamou a atenção de quem acompanhava sua fala. Como explica, os gastos com demandas judiciais já estão provisionados.

Ao fechar um acordo por valor menor, a empresa minimiza o valor pago, desafoga o Judiciário e ainda coloca em outro patamar a relação com o cliente, sem o desgaste da briga nos tribunais e a demora na quitação da dívida em caso de condenação. Defensor dos acordos e dos mutirões de conciliação nas demandas de consumo, Camps lamenta que alguns advogados insistam em recusar o acordo e lutem por manter o processo, mesmo contra a vontade do cliente, pois “se a parte demonstra interesse próprio em liquidar a demanda, a decisão não cabe ao advogado”.

Segundo ele, a mudança na postura dos departamentos jurídicos tem cerca de 20 anos, e exige que os profissionais atuem de forma intensa junto a outros setores da empresa. Ao decidir se apresenta recurso ou não, afirma, o advogado deve levar em conta “o risco envolvido, a efetividade do risco, os cálculos, o impacto. O profissional mede os níveis de discussão e o momento, baseado na decisão econômica, para decidir se entra ou não com recurso”.

Diretor de Compliance da Amil desde meados de 2013, Luiz Camps classifica a Lei Anticorrupção como “um marco no mercado nacional de autoregulação das empresas e de quem interage com o mercado”, e aponta a necessidade de cada companhia conhecer e controlar de forma adequada os funcionários que a representam, já que o ato de uma pessoa pode provocar danos graves à imagem da empresa, colocando em risco sua credibilidade perante o mercado.

Formado pela Universidade Paulista, ele fez pós-graduação na PUC de São Paulo, MBA na Fundação Dom Cabral, pós-MBA na Northwestern University e LLM na University of Miami, ambas nos Estados Unidos. Dividindo seu tempo entre São Paulo, Lisboa, Minneapolis e Miami, o ex-profissional de SulAmerica, Itaú e HSBC conversou por telefone com a revista Consultor Jurídico durante viagem ao Rio de Janeiro.

ConJur — Como o departamento jurídico de uma empresa pode ser fonte de receita e não de despesas?
Luiz Camps — Existe, ou ao menos existia, o conceito de que o jurídico era uma fonte provedora de despesas. Quando não atingiam as metas ou resultados financeiros, as companhias muitas vezes culpavam o departamento legal, como era chamado, porque eram adotadas outras formas de contrato e não havia permissão para algumas modalidades de comercialização do produto. Além disso, principalmente na década de 1990, o departamento legal permitia que fossem feitas provisões sobre devedores duvidosos, risco potencial, novas ações e futuras demandas, levando em conta também a questão da internacionalização dos negócios.

ConJur — Isso ocasionou qual situação?
Luiz Camps — Os investidores estrangeiros tinham suas regras e a provisão local, levando em conta as regras regulatórias, e também precisavam fazer provisões em moeda estrangeira, duplicando sua atividade. Então, os departamentos eram tidos como quem sempre dizia "não", quem impedia as grandes ideias ou desenvolvimento de grandes negócios. Depois, em um segundo momento, eles foram tidos como geradores de despesa.

ConJur — Qual a razão?
Luiz Camps — Segundo os novos marcos regulatórios e as novas práticas comerciais e contábeis internacionais, os riscos legais passaram a ser provisionados, garantindo a efetividade e o valor agregado da ação e da companhia. O próprio departamento jurídico caiu na armadilha, pois sempre foi tido como a área que impedia os resultados, proibindo ações com risco indesejável para a companhia, com a função de apontar o risco. Posteriormente, com riscos assumidos para incrementar os resultados do negócio, a posição do jurídico era a seguinte: pode assumir o risco, ele é fonte geradora de resultados, mas segundo a regulação, é preciso estabelecer provisões que garantam a satisfação do risco projetado.

ConJur — Isso deu início à mudança na visão sobre o jurídico?
Luiz Camps — O departamento jurídico encontrou seu novo papel, deixou de ter uma função secundária ou de backoffice dentro das organizações, pois sua importância sobre o orçamento passou a ser outra. O budget do departamento cresceu muito, pelo aumento das discussões judiciais e do volume de transações comerciais. Isso aumentou o volume de ações e também o provisionanamento. O jurídico passou a gerenciar volumes financeiros nunca antes experimentados. As empresas com maior controle sobre o departamento jurídico passaram a estabelecer metas para que o jurídico se tornasse lucrativo, já que o jurídico pode ser um departamento lucrativo — essa é uma expressão minha.

ConJur — Como isso é possível?
Luiz Camps — São dois conceitos: o primeiro é o da economia, pagar menos sobre um risco existente representa entregar o seu trabalho. O outro conceito é o preventivo, a despesa evitada, que significa antecipar e mitigar riscos, participar do desenvolvimento do negócio e do acordo de prestação de serviço para o cliente interno. O objetivo é evitar o provisionamento futuro, contribuindo com o resultado ou devolvendo recursos para o orçamento da companhia, o que representa maior capacidade de gerenciamento de valores para novos negócios ou para incremento de ação.

ConJur — Quais são os mecanismos existentes?
Luiz Camps — O departamento jurídico gerencia o passivo existente, ou seja, monitora a quantidade de ações, já que isso está absolutamente interligado às atividades reguladas. A correção judicial dessa provisão é muito maior do que os juros legais de aplicações financeiras. Ou seja, se o gerenciamento não for efetivo, a correção da obrigação da empresa é desproporcional à correção da obrigação. É necessário analisar o ponto de maturação do risco, cuidando desse detalhes da melhor forma possível.

ConJur — Esse cuidado mudou nos últimos 20 anos?
Luiz Camps — A partir do fim da década de 1990, houve uma mudança de postura dos departamentos jurídicos, com maior agressividade nas campanhas de acordo, liquidação de ações em grande quantidade, interação com o Judiciário por acordos, comitês para conciliação e desenvolver um sistema de atendimento para reclamação dos clientes, evitando novas demandas. Mudou a forma de interação entre o jurídico e o negócio em si e o objetivo passou a ser gerenciar o orçamento, evitar a incidência de juros sobre o que estava provisionado e se manter distante de despesas futuras.

ConJur — Os mutirões de acordo e campanhas de conciliação são vantajosos para as empresas?
Luiz Camps — Esses modelos representam vantagem para as partes, não para as empresas. Mas permite às companhias fazer a gestão do seu passivo de maneira mais efetiva. Mesmo antecipando o custo, aumentando o dispêndio de valor para quitação das demandas, a empresa consegue satisfazer o cliente e liquidar a demanda de forma antecipada.

ConJur — O que isso representa em termos de administração?
Luiz Camps — O acordo limpa o problema da empresa com o cliente. Encontrado o consenso, a relação é mais saudável, diminui o desgaste e, por consequência, a exposição de riscos, permitindo foco no desenvolvimento de negócios. O cliente, quando apresenta uma demanda, também busca solução rápida. Ele até pode esperar 10 a 12 anos por uma decisão, mas é do seu interesse que tudo se resolva em dois ou três meses. Os mutirões e campanhas proporcionam um mecanismo de conversação, uma janela que permite a conversa com as partes mais propensas a negociar.

Conjur — Na mediação e conciliação, a parte pode negociar sem um profissional?
Luiz Camps — A partir do momento em que é outorgada a um profissional a representação do cliente, ele deve levar em conta os interesses do cliente. Se a parte demonstra interesse próprio em liquidar a demanda, a decisão não cabe ao advogado, mas ao cliente. Ele sabe sua necessidade financeira e se a solução da demanda, mesmo com valor abaixo do potencial, é favorável.

Revista Consultor Jurídico, 6 de abril de 2014

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