O percentual de sucesso dos procedimentos de mediação e arbitragem é tão especial, positivo e relevante, que audiência pública revela e indica que mais da metade dos processos judiciais poderiam não existir se os conflitos tivessem passados antes pela tentativa de conciliação. Isso é lindo demais.

Debatedores defendem mediação pré-processual obrigatória antes de ações judiciais

Antes de propor uma ação na Justiça, quem busca um direito deve procurar solução para o conflito por meio da mediação pré-processual, de caráter obrigatório. A ideia foi defendida por convidados de audiência pública realizada nesta quarta-feira (28), para debater a nova Lei de Arbitragem, que também poderá estabelecer regras gerais sobre mediação. A comissão de juristas que deve preparar o anteprojeto da Lei de Arbitragem vem promovendo debates desde segunda-feira (26) para recolher sugestões à proposta. As audiências seguem até sexta-feira (30).

O juiz Ricardo Pereira Júnior, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), lembrou que um dos princípios do Direito é o de que a ação judicial deve esperar o esgotamento de todos “meios dissuasórios” possíveis. A seu ver, esse requisito não vem tendo valor prático, o que justifica a adoção da mediação pré-processual obrigatória.

- Por que não elevar esse requisito, que hoje é apenas uma récita, à condição de pressuposto pré-processual demonstrativo do interesse de agir? – indagou.
Coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadanias, na esfera do TJSP, o juiz apresentou durante a audiência dados sobre o desempenho desse órgão, que atua como apenas 11 funcionários, para demonstrar as vantagens da solução de conflitos pela mediação. Em 2012, de um total de 29.953 processos registrados, houve conciliação em 10.049 (54%).

A seu ver, esse percentual de sucesso é relevante, indicando que mais da metade dos processos judiciais poderiam não existir se os conflitos tivessem passados antes pela tentativa de conciliação. Conforme o juiz, em São Paulo hoje existe 70 unidades do Cejusc, duas na capital e o restante no interior. Ele disse que o núcleo foi a primeira experiência sistemática de conciliação depois que o Conselho Nacional de Justiça regulamentou a prática (Resolução 125).

Nova cultura
A mediação pré-processual obrigatória foi também defendida por Ana Lúcia Pereira, do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima). Com essa medida, ela acredita que será criada a cultura da mediação no país. Definida essa regra, Ana Lúcia defendeu que as partes possam escolher com autonomia entre a mediação pública e (ou) judicial ou privada.
Na mediação pública e (ou) judicial, sugeriu Ana Lúcia Pereira, o poder público deve custear o pagamento dos mediadores para atender à população de baixa renda (em parceria com associações, universidades e Defensorias Públicas, por exemplo). Na medição privada, o pagamento seria livremente contratado e regulado pelas leis do mercado.

Ana Lúcia disse ainda que, para a Conima, na mediação judicial pode-se exigir a participação de advogado no processo. Porém, na mediação privada, contratar um advogado ou mediador com outra formação profissional deve ser escolha restrita ao desejo das partes. Assim como ela, Roberto Pasqualin, do Centro de Arbitragem da Câmara Americana de Comércio no Brasil, rejeitou a exigência de cadastramento para os mediadores no campo privado, além de regulação abrangente para a atividade.

- Na esfera privada, não há necessidade de regulação extensa, exceto para dar efeitos jurídicos ao cumprimento dos acordos construídos – defendeu Pasqualin.
Pela Associação Nacional dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), Rogério Portugal Bacellar, que preside a entidade, reivindicou que a lei garanta aos cartórios o poder de atuar com agentes de mediação. Ele observou que no dia-a-dia os cartórios se defrontam com situações de conflitos que podem ajudar a pacificar de maneira ágil, como nos casos de inventário e divórcio.
Conflitos trabalhistas

Aldovandro Teles Torres, da Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial (CACB), defendeu a aplicação da arbitragem – em que o acordo privado ganha efeito de sentença judicial - na solução de conflitos trabalhistas. Hoje a legislação impede esse tipo de solução com base na tese da “hiposuficiência” do trabalhador (relativa incapacidade para se defender perante o empregador) e da indisponibilidade do direito trabalhista (o titular não pode abrir mão).
Apesar disso, Aldovandro observou que os acordos fechados na esfera judicial trabalhista fica muitas vezes muito aquém das pretensões do trabalhador, demonstrando que esses direitos já são disponíveis ou que o autor “agiu com má-fé”, reivindicando valor elevado para “enriquecer ilicitamente”.
Ao falar da mediação nas relações de consumo, Amaury Oliva, da Secretaria Nacional do Consumidor, disse que no país não faltam leis nem procedimentos para proteger o consumidor, mas sim “respeito das empresas”. Assim, avalia que a arbitragem não muda o quadro existente, ficando indispensável a atuação do Estado como agente de proteção.

Arbitragem administrativa
Simone Andréia Pinto Ambrósio, da União dos Advogados Públicos Federais (Unafe), falou sobre as atividades da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF). Criada em 2007, essa entidade tem por finalidade prevenir e reduzir o número de litígios judiciais envolvendo a União, suas autarquias, fundações, empresas e outros órgãos, entre si e ainda nos casos relacionados aos estados, municípios e seus respectivos órgãos.
Simone observou que os cinco maiores litigantes do país são órgãos públicos, sendo o maior deles o INSS. Lembrou que metade dos processos que tramitam no Judiciário envolve entes públicos. Questionada, ela disse, porém, que ainda não é permitida a conciliação entre os órgãos públicos e particulares.
Ciclo de audiências

A comissão de juristas que trata da reforma da Lei de Arbitragem vem promovendo debates desde segunda-feira (26) para recolher sugestões à proposta. As audiências seguem até sexta-feira (30) no Senado.

O colegiado foi instituído em abril pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. Os juristas devem entregar o anteprojeto de Lei de Arbitragem até o dia 30 de setembro. O presidente da comissão é o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão.



Brasil deve apostar em alternativas de resolução de conflito
Por José Renato Nalini

A experiência com a injustiça é dolorosa. Mesmo em doses homeopáticas, a injustiça mata. Mas a experiência com a Justiça também pode doer. Principalmente quando o acúmulo de processos impede o Judiciário de dar a resposta oportuna. Administrar 93 milhões de processos num Brasil de 200 milhões de habitantes é acreditar que se vive no país mais beligerante do planeta. Será que é assim?

Não é verdade que todos os brasileiros sejam hoje clientes do Judiciário. Este é prioritariamente procurado pelo próprio Estado. União, por si e pela administração indireta, por suas agências, organismos, entidades e demais exteriorizações, é uma litigante de bom porte. Por reflexo, o estado-membro e os municípios também usam preferencialmente da Justiça.

Um exemplo claro disso é a execução fiscal. Uma cobrança da dívida estatal pretensamente devida pelo contribuinte. Por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, todos os anos milhões de certidões de dívida ativa são arremessadas para o Judiciário, que fica incumbido de receber tais créditos. Sabe-se que o retorno é desproporcional ao número de ações. Os cadastros são deficientes, muitos débitos já estão prescritos ou são de valor muito inferior ao custo da tramitação do processo.

Mas o governo é também bastante demandado em juízo. Gestões estatais podem vulnerar interesses e uma legião de cidadãos entra em juízo para pleitear ressarcimento de seus direitos. Outros clientes preferenciais são os prestadores de serviços essenciais, que nem sempre atendem de forma proficiente os usuários. São lides repetitivas, às vezes sazonais, mas atravancam foros e tribunais.

O brasileiro precisa meditar se vale a pena utilizar-se exclusivamente do processo convencional ou se não é melhor valer-se de alternativas de resolução de conflito que dispensem o ingresso em juízo. Os norte-americanos, ricos e pragmáticos, só recorrem ao Judiciário para as grandes questões. As pequenas são resolvidas por conciliação, negociação, mediação, transação e outras modalidades como o "rent-a-judge", que nós ainda não usamos. Ganha-se tempo e eles sabem que "time is money", motivo por que o ganho é duplo.

O mais importante é que a solução conciliada ou negociada é uma resposta eticamente superior à decisão judicial. Esta faz com que o chamado "sujeito processual" se converta, na verdade, em "objeto da vontade do Estado-juiz". Enquanto que nas alternativas de resolução de conflitos o sujeito é protagonista, discute os seus direitos com a parte adversa, se vier a chegar a um acordo, será fruto de sua vontade, sob a orientação de um profissional do direito. Mas nunca será mero destinatário de uma decisão heterônoma, que prescindiu do exercício de sua autonomia.

É de se pensar se este não seria um caminho redentor da Justiça brasileira e, simultaneamente, construtor de um cidadão apto a implementar a ambicionada Democracia Participativa, que o constituinte prometeu em 1988.

Redação final do CPC (Conciliação e Mediação)

Seção VI
Dos Conciliadores e Mediadores Judiciais
Art. 168. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.
§ 3º Do credenciamento das câmaras e do cadastro de conciliadores e mediadores constarão todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como o número de causas de que participou, o sucesso ou insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como outros dados que o tribunal julgar relevantes.
§ 4º Os dados colhidos na forma do § 3º serão classificados sistematicamente pelo tribunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e fins estatísticos, e para o fim de avaliação da conciliação, da mediação, das câmaras privadas de conciliação e de mediação, dos conciliadores e dos mediadores.
Art. 169. As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a câmara privada de conciliação e de mediação.
§ 2º Os tribunais determinarão o percentual de audiências não remuneradas que deverão ser suportadas pelas câmaras privadas de conciliação e mediação, com o fim de atender aos processos em que haja sido deferida gratuidade da justiça, como contrapartida de seu credenciamento.
Art. 176. As disposições desta Seção não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes, que poderão ser regulamentadas por lei específica.
Parágrafo único. Os dispositivos desta Seção aplicam-se, no que couber, às câmaras privadas de conciliação e mediação.
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“Departamento jurídico é fonte de recursos para empresas”
Por Gabriel Mandel

http://s.conjur.com.br/img/b/luiz-fernando-ract-camps.pngFonte de receitas, e não de despesas. É assim que o departamento jurídico de uma empresa prestadora de serviços deve ser visto, de acordo com Luiz Fernando Ract Camps, diretor de compliance da Amil/United Health Group. Ao defender essa posição durante palestra na edição de 2013 da Fenalaw, Camps chamou a atenção de quem acompanhava sua fala. Como explica, os gastos com demandas judiciais já estão provisionados.

Ao fechar um acordo por valor menor, a empresa minimiza o valor pago, desafoga o Judiciário e ainda coloca em outro patamar a relação com o cliente, sem o desgaste da briga nos tribunais e a demora na quitação da dívida em caso de condenação. Defensor dos acordos e dos mutirões de conciliação nas demandas de consumo, Camps lamenta que alguns advogados insistam em recusar o acordo e lutem por manter o processo, mesmo contra a vontade do cliente, pois “se a parte demonstra interesse próprio em liquidar a demanda, a decisão não cabe ao advogado”.

Segundo ele, a mudança na postura dos departamentos jurídicos tem cerca de 20 anos, e exige que os profissionais atuem de forma intensa junto a outros setores da empresa. Ao decidir se apresenta recurso ou não, afirma, o advogado deve levar em conta “o risco envolvido, a efetividade do risco, os cálculos, o impacto. O profissional mede os níveis de discussão e o momento, baseado na decisão econômica, para decidir se entra ou não com recurso”.

Diretor de Compliance da Amil desde meados de 2013, Luiz Camps classifica a Lei Anticorrupção como “um marco no mercado nacional de autoregulação das empresas e de quem interage com o mercado”, e aponta a necessidade de cada companhia conhecer e controlar de forma adequada os funcionários que a representam, já que o ato de uma pessoa pode provocar danos graves à imagem da empresa, colocando em risco sua credibilidade perante o mercado.

Formado pela Universidade Paulista, ele fez pós-graduação na PUC de São Paulo, MBA na Fundação Dom Cabral, pós-MBA na Northwestern University e LLM na University of Miami, ambas nos Estados Unidos. Dividindo seu tempo entre São Paulo, Lisboa, Minneapolis e Miami, o ex-profissional de SulAmerica, Itaú e HSBC conversou por telefone com a revista Consultor Jurídico durante viagem ao Rio de Janeiro.

ConJur — Como o departamento jurídico de uma empresa pode ser fonte de receita e não de despesas?
Luiz Camps — Existe, ou ao menos existia, o conceito de que o jurídico era uma fonte provedora de despesas. Quando não atingiam as metas ou resultados financeiros, as companhias muitas vezes culpavam o departamento legal, como era chamado, porque eram adotadas outras formas de contrato e não havia permissão para algumas modalidades de comercialização do produto. Além disso, principalmente na década de 1990, o departamento legal permitia que fossem feitas provisões sobre devedores duvidosos, risco potencial, novas ações e futuras demandas, levando em conta também a questão da internacionalização dos negócios.

ConJur — Isso ocasionou qual situação?
Luiz Camps — Os investidores estrangeiros tinham suas regras e a provisão local, levando em conta as regras regulatórias, e também precisavam fazer provisões em moeda estrangeira, duplicando sua atividade. Então, os departamentos eram tidos como quem sempre dizia "não", quem impedia as grandes ideias ou desenvolvimento de grandes negócios. Depois, em um segundo momento, eles foram tidos como geradores de despesa.

ConJur — Qual a razão?
Luiz Camps — Segundo os novos marcos regulatórios e as novas práticas comerciais e contábeis internacionais, os riscos legais passaram a ser provisionados, garantindo a efetividade e o valor agregado da ação e da companhia. O próprio departamento jurídico caiu na armadilha, pois sempre foi tido como a área que impedia os resultados, proibindo ações com risco indesejável para a companhia, com a função de apontar o risco. Posteriormente, com riscos assumidos para incrementar os resultados do negócio, a posição do jurídico era a seguinte: pode assumir o risco, ele é fonte geradora de resultados, mas segundo a regulação, é preciso estabelecer provisões que garantam a satisfação do risco projetado.

ConJur — Isso deu início à mudança na visão sobre o jurídico?
Luiz Camps — O departamento jurídico encontrou seu novo papel, deixou de ter uma função secundária ou de backoffice dentro das organizações, pois sua importância sobre o orçamento passou a ser outra. O budget do departamento cresceu muito, pelo aumento das discussões judiciais e do volume de transações comerciais. Isso aumentou o volume de ações e também o provisionanamento. O jurídico passou a gerenciar volumes financeiros nunca antes experimentados. As empresas com maior controle sobre o departamento jurídico passaram a estabelecer metas para que o jurídico se tornasse lucrativo, já que o jurídico pode ser um departamento lucrativo — essa é uma expressão minha.

ConJur — Como isso é possível?
Luiz Camps — São dois conceitos: o primeiro é o da economia, pagar menos sobre um risco existente representa entregar o seu trabalho. O outro conceito é o preventivo, a despesa evitada, que significa antecipar e mitigar riscos, participar do desenvolvimento do negócio e do acordo de prestação de serviço para o cliente interno. O objetivo é evitar o provisionamento futuro, contribuindo com o resultado ou devolvendo recursos para o orçamento da companhia, o que representa maior capacidade de gerenciamento de valores para novos negócios ou para incremento de ação.

ConJur — Quais são os mecanismos existentes?
Luiz Camps — O departamento jurídico gerencia o passivo existente, ou seja, monitora a quantidade de ações, já que isso está absolutamente interligado às atividades reguladas. A correção judicial dessa provisão é muito maior do que os juros legais de aplicações financeiras. Ou seja, se o gerenciamento não for efetivo, a correção da obrigação da empresa é desproporcional à correção da obrigação. É necessário analisar o ponto de maturação do risco, cuidando desse detalhes da melhor forma possível.

ConJur — Esse cuidado mudou nos últimos 20 anos?
Luiz Camps — A partir do fim da década de 1990, houve uma mudança de postura dos departamentos jurídicos, com maior agressividade nas campanhas de acordo, liquidação de ações em grande quantidade, interação com o Judiciário por acordos, comitês para conciliação e desenvolver um sistema de atendimento para reclamação dos clientes, evitando novas demandas. Mudou a forma de interação entre o jurídico e o negócio em si e o objetivo passou a ser gerenciar o orçamento, evitar a incidência de juros sobre o que estava provisionado e se manter distante de despesas futuras.

ConJur — Os mutirões de acordo e campanhas de conciliação são vantajosos para as empresas?
Luiz Camps — Esses modelos representam vantagem para as partes, não para as empresas. Mas permite às companhias fazer a gestão do seu passivo de maneira mais efetiva. Mesmo antecipando o custo, aumentando o dispêndio de valor para quitação das demandas, a empresa consegue satisfazer o cliente e liquidar a demanda de forma antecipada.

ConJur — O que isso representa em termos de administração?
Luiz Camps — O acordo limpa o problema da empresa com o cliente. Encontrado o consenso, a relação é mais saudável, diminui o desgaste e, por consequência, a exposição de riscos, permitindo foco no desenvolvimento de negócios. O cliente, quando apresenta uma demanda, também busca solução rápida. Ele até pode esperar 10 a 12 anos por uma decisão, mas é do seu interesse que tudo se resolva em dois ou três meses. Os mutirões e campanhas proporcionam um mecanismo de conversação, uma janela que permite a conversa com as partes mais propensas a negociar.

Conjur — Na mediação e conciliação, a parte pode negociar sem um profissional?
Luiz Camps — A partir do momento em que é outorgada a um profissional a representação do cliente, ele deve levar em conta os interesses do cliente. Se a parte demonstra interesse próprio em liquidar a demanda, a decisão não cabe ao advogado, mas ao cliente. Ele sabe sua necessidade financeira e se a solução da demanda, mesmo com valor abaixo do potencial, é favorável.

Revista Consultor Jurídico, 6 de abril de 2014
Soluções amigáveis devem ser prioridade empresarial

Segundo o relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, a cada ano, para cada dez novas demandas propostas no Poder Judiciário brasileiro, apenas três demandas antigas são resolvidas. Some-se a este preocupante dado que encontram-se pendentes cerca de 93 milhões de feitos. Sem dúvida vivemos um sério problema de déficit operacional.

Algumas das atuais soluções para esta delicada situação deficitária envolvem uma preocupação essencial com o uso racional e eficiente da máquina estatal. Certamente se pode afirmar que, se uma parte vence uma disputa mas ainda encontra-se insatisfeito ao final do processo, há algo nesta máquina estatal (ou no seu uso) a ser questionado.

De fato, partes vencedoras de uma disputa frequentemente se sentem perdedoras em razão do tempo, custas e, principalmente, perda de vínculo. Este último item para muitos dos maiores litigantes no nosso país é especialmente precioso, pois a perda de vínculo com um consumidor envolve necessidade de dispêndio com marketing para repor o cliente perdido e o prejuízo decorrente da imagem da marca. Não restam dúvidas de que um litígio gera adversários de grande animosidade e pode destruir as relações entre os envolvidos.

Todavia, a adoção de novas práticas para uso eficiente do Poder Judiciário consiste em uma decisão eminentemente de política empresarial: perceber que pode haver ganho com a participação da empresa nas conciliações, tratando estas como uma oportunidade de marketing direto e de aproximação com o consumidor. Ganha o consumidor, que é melhor atendido; e ganha a empresa, que preserva seu maior patrimônio: o cliente.

Para tanto, faz-se necessário ter uma perspectiva não adversarial de uma disputa judicial. Perceber o consumidor como adversário em um processo judicial induz a empresa a agir de forma defensiva e até mesmo passiva quanto ao contexto apresentado pelo autor (e.g. “os autores argumentam que prestamos esse serviço de forma falha e nós contra-argumentamos que o serviço foi bem prestado”).

Por outro lado, perceber o consumidor (de forma não adversarial) como parceiro essencial da empresa, mesmo em um processo judicial, induz a empresa a agir de forma construtiva e proativa quanto ao contexto indicado pelo autor (e.g. “os autores argumentam que prestamos esse serviço de forma falha e, como compartilhamos do interesse dos nossos clientes de prestar serviços de excelência, gostaríamos de conversar sobre formas de melhor atende-los”).

A mudança de perspectiva acima apresentada requer – entre outras atividades típicas de empresas modernas no sentido de contar com um programa de desenho de um sistema de prevenção e resolução de disputas - treinamento de prepostos com o intuito de otimização de recursos da própria empresa. Esta conclusão tem sido trabalhada pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2009 . Nesta oportunidade, indicou-se que se faz necessário trabalhar a noção de que o Estado precisa preparar o jurisdicionado para adequadamente utilizar o sistema público de resolução de disputas.

Para melhor elucidação da importância deste trabalho nas políticas públicas em prevenção e resolução consensual de disputas pode-se utilizar a alegoria de que, se o Poder Judiciário se propõe a ser um hospital de relações sociais – voltado também à melhoria destes vínculos -, faz-se necessária a adoção de práticas de orientação para o uso eficiente do sistema público de resolução de disputas.

Assim, como indicado em outra oportunidade , imagine-se um cirurgião que, ao adentrar uma sala de cirurgia, nota que o paciente está com roupas cotidianas e sujo — não passou pela assepsia usual a essa prática. O mesmo, com adaptações necessárias, foi identificado na prática brasileira da conciliação. Frequentemente, partes chegavam à conciliação sem a adequada preparação: pelo conciliador, pela empresa, ou mesmo pela parte pessoa física. O “cirurgião” recebia apenas breves apontamentos teóricos de como “operar” e os “pacientes”, sem nenhuma orientação de como se prepararem. O tempo da “cirurgia” era definido pela pauta do cirurgião e não pela complexidade do caso. Não era sem motivo a patente insatisfação com a conciliação no final do século XX e nos primeiros anos do século atual.

Esta preocupação de melhor preparar os usuários para utilizar adequadamente o sistema público de resolução de disputas — ou, como indicado acima, “preparar o paciente para a cirurgia” —, diversos tribunais, como já noticiado , dentre os quais o TJ-DF, o TJ-RJ e o TJ-SP, iniciaram treinamento de capacitação de prepostos.

Nesses treinamentos, advogados e diretores jurídicos e financeiros das empresas são estimulados a identificar falhas comuns na atuação cotidiana em conciliações, dentre as quais destacam-se quatro aspectos fundamentais: a) desconsideração do custo de imagem que a conciliação mal administrada pode gerar para a empresa; b) negociar na conciliação como se estivesse em audiência de instrução; c) tentar vencer o conflito e d) perceber a conciliação como alternativa.

a) Muitas empresas despendem significativos recursos para captar novos clientes, mas não consideram o custo de perder um cliente em razão de uma atuação descuidada do preposto na conciliação. Nesses treinamentos, estimulam-se as empresas a considerarem o custo da captação do novo cliente (gasto com propaganda e marketing dividido pelo número de novos clientes por ano) ao planejarem como será a atuação dos seus prepostos na conciliação.

b) No que concerne à adequada compreensão das partes e advogados quanto às características intrínsecas da conciliação, cumpre registrar que há uma prática profissional específica em processos autocompositivos. Na conciliação, a adoção de uma postura do preposto deve ser humanizada, zelosa e solucionadora, sob pena do outro interessado/parte não se engajar de forma plena no processo de resolução de problemas que, em essência, é o trabalho da conciliação. A compreensão de que a conciliação seria uma instrução “disfarçada” somente contribui para a imprópria condução da conciliação e, por conseguinte, baixa resolutividade, excessiva litigiosidade e, naturalmente, insatisfação das partes com seu desenvolvimento;

c) Ao tratar o conflito como uma dinâmica na qual um dos envolvidos pode sair como claro vencedor, transformando o outro em patente perdedor, frequentemente as partes envolvidas se engajam em condutas competitivas visando mais do que vencer, incutir a perda ao outro. Como resultado, ao menos parcialmente, ambos tendem a perder e inadvertidamente abdicam de diversos interesses que possuem, como a manutenção do relacionamento social pré-existente com a outra parte ou a resolução dos pontos controvertidos como objetivamente apresentados no início do conflito, não em razão de um acirramento do conflito que se expandiu tornando-se “independente de suas causas iniciais”. A percepção, em um determinado conflito, de que é necessário que a parte “vença a outra” — e não “objetivamente resolva os pontos em relação aos quais as partes divergem” — faz com que as partes envidem esforços para prejudicar uma à outra e não necessariamente apenas resolvam os pontos controvertidos;

d) A experiência dos últimos 30 anos tem mostrado que o comprometimento com a forma de resolução de disputa adotada (com respectivas características) influi significativamente no adequado desenvolvimento do processo e, por conseguinte, na satisfação das partes com a solução alcançada. Empresas e escritórios de advocacia que tratam a conciliação ou mediação como uma “forma secundária” de resolução de disputas tendem a não investir em treinamento de seus advogados e administradores. Como consequência, há o exercício intuitivo desses processos, que em regra se resume a aplicar a conduta profissional característica do processo judicial à mediação ou à conciliação. Naturalmente, como visto acima, essa prática intuitiva, em regra, leva ao desvirtuamento da conciliação e a consequentes custos mais elevados (ou redução dos níveis de satisfação dos usuários).

Merece destaque que, após o treinamento de prepostos e advogados no Brasil, os índices de conciliação subiram em mais de 120%. Empresas como Vivo, Tim, Sky Telecomunicações, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Casas Bahia, entre outras, receberam treinamento e o CNJ, ou os próprios tribunais, ofereceram esse treinamento sem nenhum custo aos participantes.

O Poder Judiciário tem passado por mudanças significativas quanto à sua função, adotando a uma posição de ativismo também quanto à orientação e educação do usuário para tornar soluções amigáveis de disputa uma prioridade empresarial.

Com isto, o Poder Judiciário se aproxima de uma de suas mais belas funções: educar a sociedade para tornar-se mais consensual; ao mesmo tempo em que enfrenta de forma direta um de seus maiores desafios: o déficit operacional.

Por André Gomma de Azevedo e Emmanoel Campelo